07/12/18

Paulo Colaço dá a receita: "Criar Público"




Antes de começar a nossa conversa tive oportunidade de assistir a uma das suas aulas com uma turma de quarto-ano, onde não só explora a música como a fórmula do cante alentejano, a letra e o conteúdo. De que forma acha importante transmitir aos mais novos esse conhecimento da tradição e até de ensinamentos de outros tempos?
A principal razão que me leva a fazer isto é o respeito que havia pelos tocadores, pelas pessoas que estavam a fazer a sua arte. Esta admiração por aqueles que tinham uma expressão artística. Hoje em dia existe uma banalização da arte… O público vai assistir a espectáculos que são música mas não são Arte. Se eu me puser a desenhar bonequinhos não é arte, são desenhos mas não são artísticos. Muitos espectáculos não são arte.
Só temos duas formas de lutar contra isto: Ou ofendemos as pessoas e dizemos “Venham ver, venham ouvir…” ou trabalhamos com os mais novos na sua educação. Tu, por acaso, assististe a uma componente que eu trabalho com os miúdos mais velhos que é a “escrita criativa”. Eles por si começam a fazer quadras muito cedo, esta fórmula de arranjar palavras “ao calhas” e relacioná-las com acções e com este trabalho, um dia mais tarde vão puder decifrar a dificuldade do “rendilhado” presente nas letras.
Em relação aos mais velhos, a geração anterior, existiu um distanciamento da música tradicional. O que acha que falhou?
Eu vou dizer que não falhou nada. A arte popular é uma arte que não exige nada em troca, é dar sem querer nada em troca. O Povo faz porque “se sente”. Não houve nenhuma falha. Acontece que o Cante era muito ligado ao sofrimento do trabalho no campo. No caso de Serpa, havia a revista Tradição onde as pessoas admiravam todos aqueles pastores que sem saber ler nem escrever faziam décimas e de alguma forma patrocinavam o Cante. No entanto era uma excepção.
Depois do 25 de Abril, houve uma abertura a outras coisas, outros géneros de música e enquanto a memória colectiva do sofrimento associado ao cante esteve bem presente ninguém o queria cantar. Os mais velhos dizem, e bem, “Quem inventou o Cante Alentejano foi a fome”. Ninguém iria naturalmente cantar uma moda para não se lembrar do sofrimento que sentiram. Hoje em dia acabou e que ele não volte!
Hoje em dia e, ainda bem, o luto está a ser levantado. Os mais novos sabem que foi o sofrimento que fez o Cante nascer mas estão a descobrir a faceta da alegria e da felicidade do cante, do amor à Terra.
Inevitavelmente, porquê a Viola Campaniça
História interessante! Eu sou músico de formação, a minha ligação
Na minha família, tanto de um lado como de outro, todos cantavam. Eles nasceram em montes, não são vilas, de Almodôvar (materno) e Castro Verde (paterno). Nos montes, cantava-se muito, principalmente da minha mãe, – o meu tio cantava nos Ganhões de Castro Verde era o ponto no É Tão Grande o Alentejo com a Dulce Pontes – eu comecei a cantar naturalmente com a família, como todos aprendi a falar, cantar e fazer lengalengas com os tios, pais…
Mais tarde comecei a aprender guitarra com o Padre Cartageno aos seis anos. Depois vim para o conservatório de Beja, na altura Academia de Música de Beja. Depois fui dois anos para Évora para a Escola Profissional de Música… mais uns anos na escola de Jazz do HotClub, sempre ligado à música anglo-saxónica e brasileira, àquele mistério das melodias, dos acordes, da harmonia… Fiz parte de um grupo de música popular que era o Canto Chão que já tratava a música popular com ligações ao jazz. Até que um dia fui a uma feira Líder em Cuba e vi o espectáculo de um trio – Ti Manel Bento, outro senhor e a Dona Maria Prepétua – de viola campaniça de Castro Verde, e eu pensei “Tenho de achar esta viola! Eu sou músico e é a viola da minha terra” e fui ao seu encontro… a minha formação facilitou essa aproximação e lá a dominei.
Depois fundámos os Adiafa – Eu, o Zé Emídio… - quase por encomenda e que resultou naquele sucesso… foi o primeiro contacto com a viola campaniça.
Nunca mais parei!
Certo, eu já o vi a tocar rock e blues na viola campaniça… ou seja parece que existe uma fusão de estilos em vários sentidos… A sonoridade da Campaniça empregue noutros estilos…
Sim, o Lopes Graça dizia “A arte e a tradição é um processo” e que está em constante mutação. Somos um colectivo de experiências que fazem com que hoje o Cante seja uma preservação da memória colectiva, mas como todas as tradições está a mudar constantemente.
Hoje cantar Hip-Hop é tradição no Alentejo! E era bom que se entendesse que se pode cantar um Hip-Hop relacionado com a nossa realidade…
Eu tenho uma personagem que é um pastor que saía do trabalho, ia a uma discoteca e ouvia outras formas de música… Tinha um mp3 e estava com as ovelhas cantando Stevie Wonder e fazendo as suas quadras. A realidade dele é diferente da dos pastores de Antigamente. É a realidade do Alentejo e a arte tem de estar sempre ligada à realidade, preservando as raízes… Expressão de Francisco Pratas, antigo escritor já falecido e jornalista do Diário do Alentejo “Que a professora disse, lá na escola onde andamos, só conhecendo o passado podemos entender quem somos…”
Seja onde quer que esteja uma pessoa tem uma certeza muito grande: “Eu sou Alentejano”. É esse tipo de raiz que não nos abandona nunca e nos leva a estar ligados ao cante e à tradição onde quer que estejamos!
Diz-se “Não se canta como antigamente”. Ainda bem! Porque antes cantava-se a fome!
As professoras dizem que os alunos agora estão mudados, mais mal educados, mais bem educados… Os anos vão passando e são novas gerações, é a realidade da sociedade onde todos temos responsabilidade. Que ninguém diga que não tem responsabilidade!
Muito bem, daqui a 20 anos onde vê a Viola Campaniça?
Eu já assisti a quinze anos de evolução gigante da viola campaniça. Antigamente conseguíamos contactar todos os tocadores em quinze minutos – eram cinco ou seis – hoje nem um dia chega! Houve muito trabalho, a CM de Castro Verde - teve construção de violas campaniças e aulas na escola secundária para quem tinha construído a sua viola. Eu participei disso e chegámos a ter vinte a vinte e cinco alunos que hoje têm o seu trabalho na Holanda, no Canadá e todos, todos, levaram a sua viola consigo. Onde estão, estão a “minar” outras pessoas.
Neste conjunto de acontecimentos constantes temos violas campaniças em todo o país e por todo o mundo!
Há um fulano de Lisboa que é o Gajo que tem uma banda Punk e neste momento apaixonou-se pela viola campaniça e a toca, já tem um álbum com viola campaniça. Essa mistura que eu faço do blues, do metal que falaste é uma abertura a outros públicos, como nos festivais. Costumo dizer: “Há muitas formas de apanhar moscas, mas com vinagre não é de certeza”.
Este “o Gajo” – nome artístico - ligou a viola campaniça à sua realidade. As suas músicas não falam da oliveira e do chaparro, mas falam do carteirista…
Neste momento não sei o futuro mas neste momento a viola campaniça está nos quatro cantos do mundo!
Temos uma aceitação de todas as violas… braguesa, viola da Terra…
Sim, todas cresceram, mas a campaniça foi a que mais cresceu. As fábricas não dão despacho aos pedidos.
E o Paulo, no futuro?
Vou estar a dar aulas, comecei nisto para criar um “público” mas descobri que tenho jeito! Eu gosto de trabalhar com crianças, eles não têm preconceitos e absorvem tudo o que lhes é dado. Trabalho na escola com as turmas e temos um grupo coral os “Mocinhos (En)Cante” onde trabalhamos mais tecnicamente… cantamos muitas composições minhas… fiz uma composição para a Formiga Descalça – um conto de Matilde Rosa Araújo – e no fundo é um sucesso! Faço trava línguas para eles e essas composições dão gosto. Mesmo a “Moda Faca”!
Comecei nos espectáculos e gosto das minhas actuações, mas este público que temos hoje – que tínhamos nos Adiafa – é muito fechado a novas coisas e rejeitam quase tudo. Quem realmente gosta de literatura gosta muito de reler mas gosta mais de livros novos…
Acho que para chegarmos aí há muito trabalho de educação musical a fazer nas escolas. As crianças têm de aprender a gostar de música, temos de ser eclécticos. Se eles aprendem a usar as cores todas na educação visual porque não ensinar da mesma forma a música? Com as cores todas… Vamos explicar onde nasce o Heavy Metal, o Jazz… onde nascem e as suas realidades!
A flauta de Bísel é um grande negócio para a indústria, mas eles precisam é de história da música antes de tudo”!
Olhe, sabe onde encontra esse público atento? Em serpa, na VOL!
Tenho a certeza que sim! ´
Então dia oito temos encontro marcado! “Mode quem?”
MODA FACA!!!


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